DJ brasileira fala sobre os desafios de atuar em uma cena musical dominada por homens
Radicada em Londres, Scheila Santos comenta o machismo, o assédio e o que é necessário para manter o profissionalismo em um meio ainda desigual.
Foto: Scheila Santos durante sessão de fotos em Londres.
Crédito: @scheilasantos_
Aos 34 anos, a DJ brasileira Scheila Santos trocou o Brasil pela cena eletrônica de Londres, onde vem consolidando seu espaço em clubes e eventos locais. Mesmo no comando das cabines, ainda enfrenta os efeitos de uma indústria marcada pela desigualdade de gênero. Dados do banco de dados female:pressure mostram que apenas 26,9% dos artistas programados em festivais de música eletrônica eram mulheres entre 2020 e 2021. Outro estudo da Universidade de Portsmouth indica que menos de 10% dos DJs e apenas 5% dos produtores reconhecidos mundialmente são mulheres.
“Existe um glamour que as pessoas associam aos DJs, mas ninguém imagina o que acontece nos bastidores”, afirma Scheila. “Em muitos eventos, ainda sou recebida como se fosse a namorada de alguém da equipe, não como a artista contratada.” Situações assim, segundo ela, se repetem em cidades como Londres, Berlim e Barcelona. “Chego para tocar e a primeira reação é acharem que o homem ao meu lado é o DJ. Quando percebem que sou eu, vem aquele pedido de desculpa constrangido.”
Com sets que mesclam afrohouse e afrotech, Scheila também relata situações de machismo e desrespeito que presenciou durante a carreira. “Quando uma mulher está na cabine, parece que precisa provar o tempo todo que sabe o que está fazendo. Já ouvi piadas sobre o meu corpo enquanto eu tocava e já me perguntaram se eu era a DJ de verdade ou se estava ali apenas para atrair público. É um ambiente competitivo, e o gênero ainda pesa.”
Para lidar com essa realidade, Scheila desenvolveu estratégias próprias de segurança e profissionalismo. “Hoje viajo sempre com alguém de confiança, evito beber e deixo tudo muito organizado para não depender de ninguém. Pode parecer exagero, mas quando você passa por situações de assédio, entende que precisa criar seus mecanismos de proteção”, conta. Ela lembra de um episódio em que foi abordada de forma invasiva por um colega durante um festival. “Ele me abraçou forte e sussurrou coisas no meu ouvido. Fiquei paralisada. Sabia que, se reagisse de forma mais direta, poderia ser prejudicada. Voltei para o hotel arrasada e pensei: por que eu tenho que escolher entre me defender e continuar fazendo o que amo?”
Apesar das dificuldades, Scheila acredita que o cenário está mudando. “Vejo mais mulheres nos line-ups, gerenciando eventos e trabalhando na parte técnica. A sororidade tem crescido muito. Nós trocamos contatos, falamos sobre o que vivemos e não aceitamos mais o silêncio como regra.”
Para ela, o verdadeiro avanço está em transformar visibilidade em igualdade. “Não quero ser tratada diferente por ser mulher. Quero ser reconhecida pelo meu som e pela energia que levo à pista. Se eu inspiro outras meninas a acreditarem que também podem estar ali, no comando da cabine, já valeu a pena.”
Scheila reforça que seu objetivo é pavimentar um caminho mais justo para quem vem depois. “Não quero medalhas por suportar o que suportei, quero mudanças reais. Quero poder entrar na cabine, tocar, sair e ninguém questionar quem me trouxe ali. Até lá, sigo de cabeça erguida, fazendo o que amo e usando minha voz para que a próxima geração encontre um cenário mais respeitoso.”
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