Nova lei da cidadania italiana é contestada nos tribunais, enquanto Itália libera 497 mil vistos para estrangeiros com preferência para descendentes de italianos
Por Welliton Girotto - Fundador da Master Cidadania, com sede na Itália e no Brasil
O Decreto-Lei 36/2025, que limitou o direito à cidadania italiana por descendência apenas a filhos e netos, começa a encontrar resistência firme nos tribunais italianos — exatamente como antecipado por especialistas e juristas atentos à Constituição da República Italiana.
Enquanto o discurso oficial aponta para o suposto “uso abusivo” do passaporte europeu, a realidade jurídica é outra: tribunais como os de Turim e Bolonha têm reconhecido que o decreto contém vícios de origem, aplicabilidade retroativa e afronta ao princípio do direito adquirido. O caso de Turim, inclusive, já foi formalmente remetido à Corte Constitucional, em um movimento que já está revertendo o cerne da nova norma.
Ao mesmo tempo, em aparente contradição com a retórica restritiva, o governo italiano anunciou a liberação de 497.550 vistos de trabalho para estrangeiros entre 2026 e 2028 — voltados a setores com escassez estrutural de mão de obra, como transporte, turismo, construção civil e saúde.
Cidadania não é privilégio — é extensão da identidade
A tentativa de desqualificar pedidos legítimos de reconhecimento de cidadania como “abusos” é juridicamente frágil e socialmente delicada. Como cidadão italiano nato por iure sanguinis, não se “pede” cidadania: ela se tem, desde o nascimento.
O Artigo 22 da Constituição Italiana é claro ao afirmar que “ninguém pode ser privado da cidadania por razões políticas”. E a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia reforça que a liberdade de circulação, trabalho e residência é inerente à cidadania europeia, inclusive para nacionais de países terceiros que entram legalmente com base em vínculos legítimos.
Alegar que imigrar para trabalhar, estudar ou investir em outro Estado-membro com base em um direito de origem configura “abuso” é distorcer o papel do passaporte — que é, por essência, uma extensão da identidade civil e constitucional do cidadão europeu.
Juristas com base na Itália já alertavam para os efeitos da nova lei
Entre os profissionais que anteciparam os riscos de inconstitucionalidade do decreto, destaca-se a advogada Mariane Baroni, formada pela PUC-SP e com mais de 20 anos de atuação exclusiva na área de cidadania italiana. Co-fundadora da antiga estrutura que hoje evoluiu para a Master Cidadania, é reconhecida por seu trabalho junto aos tribunais italianos desde o início dos anos 2000.
Ao lado de juristas italianos e operadores do direito migratório, Baroni defendeu desde o início que a nova norma, ao não prever um regime de transição, ao aplicar efeitos retroativos e ao desrespeitar processos em curso, entrará inevitavelmente em rota de colisão com os princípios constitucionais italianos e europeus.
Novos caminhos: vistos legais para descendentes — e o papel da preparação jurídica
A realidade dos tribunais caminha em uma direção, mas o governo, de forma paralela, também abriu uma nova porta concreta e legítima: a dos vistos de trabalho para estrangeiros — com prioridade para descendentes de italianos residentes fora da Europa.
Com base na minha experiência de mais de duas décadas na Itália — primeiro como fundador da antiga estrutura Cidadão Europeu, hoje consolidada na Master Cidadania, e também como Agente di Commercio inscrito no Albo d’Oro da Agência de Monza, com atuação junto a concessionárias e indústrias no norte do país — venho acompanhando de perto o movimento dos setores que mais sofrem com a falta de profissionais.
Um interessante projeto que a Master tem em andamento e que prevê a alocação de seus clientes descendentes de italianos em 16 concessionárias de uma das maiores marcas de transporte pesado da Itália, com quem mantemos canal direto está se alargando e sendo discutidas nos setores de hospitalidade, TI, logística e saúde — todos contemplados no decreto de vistos aprovado pelo governo.
Diante desse novo cenário, estamos desenvolvendo, com base em nossa trajetória jurídica e institucional, um projeto estruturado de preparação técnica e documental voltado a candidatos interessados em trabalhar legalmente na Itália — com ênfase em setores prioritários e perfil de descendência italiana.
O projeto, que já está em fase operacional junto a empresas parceiras, deverá ser estendido ao público em geral em breve, inclusive para brasileiros que ainda não estão em processo ativo de cidadania.
A proposta é oferecer um caminho legal e viável de entrada na Itália, sem improvisos — com estrutura jurídica, orientação estratégica e base documental sólida.
Conclusão: a Itália está redefinindo o acesso — não anulando o direito
O ciclo da cidadania italiana não foi encerrado. Ele foi requalificado. O direito permanece — mas exige outro nível de condução: jurídica, consciente, estruturada.
O que estamos presenciando é uma separação entre os aventureiros e os que decidem agir com responsabilidade e base legal. E nesse novo ciclo, preparo é o novo sobrenome.
É relevante observar que muitos dos processos atualmente em curso foram protocolados já sob a vigência da nova taxa judicial de 600 euros. Essa contribuição, exigida por lei, além de reforçar a seriedade dos requerentes, garante sustentabilidade ao sistema judiciário italiano, sem comprometer a tramitação de outras áreas sensíveis dentro dos próprios tribunais.
Enquanto a Corte Constitucional avalia os próximos passos, os tribunais locais já indicam o rumo. E os descendentes que entenderem isso agora terão, pela primeira vez, dois caminhos legítimos e paralelos:
• Um, para entrar legalmente pela via documental, com apoio técnico e planejamento.
• Outro, para reconhecer o direito de origem à cidadania italiana pelas instâncias judiciais competentes.
O futuro não pertence ao improviso.
Pertence a quem entende que direito se exerce com estrutura — não com desespero.
Welliton Girotto
Fundador da Master Cidadania
Ex-Agente di Commercio reconhecido na Itália
Atuante diretamente na Itália desde 2002
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